SEARA NOVA
Entrevista com: José Manuel Tengarrinha – N.º 1691 Primavera de 2005

Seara Nova – A percepção de que Marcelo Caetano não estava disposto a qualquer abertura democrática foi um factor importante para a oposição?

José Manuel Tengarrinha - Em 1973, as condições alteram-se. Os dirigentes socialistas que estavam em Portugal viviam muito intensamente a situação do Pais. Para estes era claro que as propostas que a CDE tinha feito em 1969 se mantinham perfeitamente válidas. Todos reconheciam – aliás, isso esta documentado nas teses do Congresso da Oposição Democrática de 1973 - que, ao contrário do que a CEUD dizia em 1969, e de acordo com o que dizia a CDE, Marcelo Caeta­no não significava uma alternativa democrática para o Pais. Não havia qualquer esperança de que através do regime mar­celista, Portugal pudesse atingir a democracia. Segundo as­pecto em que agora todos estavam de acordo era o de que a guerra colonial já tinha atingido tais proporções e tais níveis que era impossível, por via militar, resolver o problema. Por outro lado, homens coma Salgado Zenha já tinham percebido que nunca Marcelo Caetano permitiria que fossem alternativa dentro do regime. Portanto, o entendimento estava facilitado.

Seara Nova - Esse entendimento foi conseguido no con­gresso de Aveiro de 1973?

José Manuel Tengarrinha - o Congresso de 1973, o primeiro designado por Congresso de Oposição Democrática, e diferentemente do que tinha acontecido em 1969, antes da constituição da CDE, foi um congresso amplíssimo, com uma organização amplíssima. Desde as freguesias, as concelhias e distritais, realizaram-se reuniões muito amplas de pre­paração, que levaram a que o Congresso fosse organizado com a mesma filosofia da CDE: das bases para o topo. A própria composição social dos de­legados dos distritos a Comissão Nacional Preparatória do Congresso alterou-se profundamente. Agora, eram agri­cultores, operários, pequenos comerciantes, intelectuais, profissionais liberais. Foi uma coisa única que contrastou gran­demente com os congressos republicanos, até ao nível das decisões, da estratégia. Tudo foi discutido pelo representante de cada distrito, eleito pelas comissões concelhias, e com uma irrepreensível característica democrática: nunca houve a imposição de qualquer centralismo, de qualquer grupo de diri­gentes que assumisse ou quisesse assumir a direcção do que quer fosse. Mas e importante que se diga que este grandioso congresso só foi possível porque os socialistas que viviam em Portugal tinham uma visão da realidade diferente dos que estavam no estrangeiro. Mário Soares e a direcção do PS no estran­geiro, até a ultima hora, tentaram evitar que o Congresso se transformasse numa manifestação unitária da oposição.

Seara Nova - Do Congresso de 1973 sai uma plataforma politica, diferente da plataforma de São Pedro de Moel. E mais importante?

José Manuel Tengarrinha - Muito mais importante e por varias razões. Por um lado, dava a imagem de uma posição unida, não através de figuras, mas de um programa e das movi­mentações populares e de base que se geraram em todo o Pais. E isto porque as

 

comissões CDE não tinham morrido, estavam quanto muito adormecidas ou latentes. Por outro lado, havendo esta base política de apoio, estavam criadas as condições favoráveis para que a oposição se apresentasse em bloco, nas eleições de 1973. Tínhamos também a noção, das reuniões que entretanto já havia com militares, de que o facto da oposição se apresentar com uma plataforma conjunta era um factor importante para que os próprios militares, dentro das suas dife­rentes sensibilidades e correntes politicas e ideológicas, en­contrassem pontos comuns de acordo. Aliás, fazendo a comparação entre o programa do MFA e a plataforma politica resultante do Congresso de 1973, encontram-se muitas semelhanças.

Seara Nova - Para a unidade da oposição não contribuiu igualmente uma negociação, em Paris, directamente entre o Álvaro Cunhal e o Mário Soares?

José Manuel Tengarrinha - o encontro acontece já de­pois do Congresso. A direcção do PCP sabia que a direcção do PS no exterior se estava a opor a unidade da oposição e, que se assim fosse, era muito provável que não houvessem listas con­juntas. Foi por isso que o Cunhal teve o encontro com o Soares e conseguiram chegar a acordo sobre as listas conjuntas.

Seara Nova - Porque de­siste a CDE, nas legislativas de 1973, de ir às umas?

José Manuel Tengarrinha - É a exigência feita pe­los socialistas.

Seara Nova - Foi uma boa estratégia?

José Manuel Tengarrinha - Foi. As eleições e sobretudo de­pois do Marcelo Caetano ter permitido a vinda de jornalistas estrangeiros ao Congresso para mostrar que até havia liberdade de oposição se podia reunir - depois foi o que se viu com a carga policial aquando da romagem a campa do Mário Sacramento -, foram acompanhadas pelo estrangeiro e serviram sobretudo para denunciar o regime em Portugal. Ir as urnas era estar de algum modo a pactuar com a impossibilidade que todos sabiam ser, da oposição ter um resultado diferente do habitual.

Seara Nova - A recusa de ir as urnas provocou uma reacção no regime?

José Manuel Tengarrinha - Marcelo Caetano ficou extre­mamente desagradado. Nós só anunciamos a desistência no último dia de campanha, explicando que não estavam reunidas as condições para uma eleição séria. Claro que ao regime con­vinha que nos fossemos às urnas. Ganhava as eleições como habitualmente com uma maioria esmagadora e proclamava ao mundo que Portugal era uma democracia. A decisão de não ir as urnas foi, de facto, correcta. O forte desagrado do regime fascista quanto a recusa da CDE na disputa até as urnas ficou demonstrado nas ridículas ameaças, políticas e financeiras, anunciadas sobre os candidatos desistentes.


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