COMISSÃO NACIONAL DE SOCORRO AOS PRESOS POLÍTICOS
CIRCULAR N.° 19
9 de Maio de 1973
O AGRAVAMENTO DA REPRESSÃO
A CNSPP considera ser seu dever alertar solenemente o País para o preocupante agravamento da repressão política. O poder, através das suas diversas polícias e serviços congéneres, desencadeou uma continuada ofensiva no sentido de atemorizar os portugueses e de deles dispor ainda com mais à vontade. Uma onda de violência e de desregramento caiu sobre um número crescente de cidadãos, sujeitando-os a buscas, interrogatórios, rusgas, agressões, detenções, ameaças, multas, atropelos judiciais e prisionais. Os últimos meses têm decorrido de molde a que a CNSPP se veja obrigada a manifestar a sua mais viva apreensão e a apelar para todos os portugueses no sentido de com ela colaborarem de forma eficiente e na medida do indispensável. Urge levar a cabo a tarefa de reforçar a actuação da CNSPP, dentro dos limites que lhe são próprios e de modo a poder dar a resposta necessária a mais esta ofensiva da repressão. Em especial, preocupa-se a nossa Comissão com a falta de informações precisas sobre todos os actos repressivos ocorridos nos últimos meses, e que apenas em parte é provocada pelo seu aumento massivo.
Neste momento em que o Governo demonstra ter dado plena liberdade às suas polícias para, sem olhar a meios, destruir todas as formas da vida política a si contrárias, nomeadamente no campo estudantil e no da oposição à guerra em Angola, Moçambique e Guiné, neste momento em que um evidente e cego espírito de desforra levam à prisão o padre Mário de Oliveira, o cantor José Afonso, trabalhadores rurais de Mértola, operários de Alcobaça e de muitos outros pontos do País, centenas de estudantes no Porto e em Lisboa, vários e indiscriminados cidadãos chegados do estrangeiro e dezenas de trabalhadores cabo-verdianos em Lisboa, e se não hesita em repetir as agressões a tiro que levaram à morte o jovem Ribeiro Santos; neste momento em que o Presidente do Conselho tenta com a sua nova e impossível veste de «liberal» e de «democrata» esconder ou justificar o recrudescimento da violência governamental, torna-se imperioso chamar a atenção de todos os portugueses para a necessidade de fortalecer e revigorar o apoio indispensável a dar a todo e qualquer cidadão vítima da repressão política, independentemente de quaisquer considerações de índole partidária.
A CNSPP, por si e com o apoio e confiança de todos, esforça-se por desenvolver a actividade própria das suas atribuições do modo mais completo e isento, e para tal renova o seu constante apelo:
Faça chegar à Comissão informações rápidas, seguras, precisas e completas, contactando com qualquer dos seus membros. Divulgue as nossas circulares, para que essas informações possam chegar a toda a parte.
PRISÕES
1. Ainda no mês de Agosto de 1972, tinha sido preso em meados do referido mês, para além de todos os outros já noticiados, José Augusto Rodrigues, aspirante em Torres Novas, ex-estudante de Arquitectura; transferido para Elvas, encontra-se actualmente em Caxias.
2. Quanto ao mês de Fevereiro de 1973:
— no dia 6, Sebastião Lima Rego, advogado;
— no dia 21, José Manuel Briosa e Gala, estudante do 1.° ano de Direito;
— no dia 22, Eulália Gonçalves Paula Luís, doméstica; Lino dos Santos Coelho, industrial; Maria José Luz, estudante; Carlos Alberto da Silva Coutinho, empregado de escritório em «O Século»;
— no dia 24, Amado de Jesus Ventura da Silva, finalista do Instituto Superior de Agronomia;
— no dia 28, Jesuína Rodrigues, enfermeira das Caixas de Previdência, presa em Carcavelos e libertada durante o mês de Março;
— conhece-se ainda a prisão de José Manuel Iglésias, em Moscavide.
3. Quanto ao mês de Março:
— no dia 3, António Policarpo dos Santos Guerreiro, de Grândola, libertado dias depois e preso um irmão;
— no dia 10, Filipe Pedro Fernandes, de 59 anos, motorista, Vialonga;
— no dia 12, Vítor Ramalho, advogado, em cumprimento de serviço militar;
— no dia 15, Francisco Pimentel, aluno e dirigente associativo da Faculdade de Ciências do Porto;
— no dia 21, Mário Pais de Oliveira, pároco de Macieira de Lixa, preso num café em Felgueiras, pela segunda vez, depois de julgado no Tribunal Plenário do Porto e absolvido em 17/2/71;
— no dia 27, de tarde, foram detidos pela PSP junto ao Liceu Padre António Vieira (Lisboa) 14 estudantes, tendo depois transitado para Caxias Carlos Índias Cordeiro, aluno do 7.° ano do referido liceu, libertado na noite de 28 sob caução de 1800$00. Os restantes 13 estudantes, conduzidos ao Governo Civil, foram libertados na mesma noite sob multa de 2500$00 cada um;
— no dia 28, Ramiro Rodrigues Morgado, de 33 anos, casado, lapidador de diamantes, preso às 9 horas no local de trabalho. Submetido à tortura do sono du-
rante 7 dias consecutivos, acompanhada por espancamentos que ocasionaram perturbações psíquicas e começo de paralisia parcial do lado direito; emagreceu
12 quilos durante a tortura do sono;
— no dia 29, João Lisboa, estudante da Faculdade de Medicina;
— no dia 30, Manuel Montes, Octávio Aleixo, Dionísio, todos operários rurais em Corte Gafe, Mértola; foi passada busca à casa dos três;
— conhece-se ainda as prisões de António Seixas em Santarém; Joaquim Caetano, no Algarve e 50 a 60 cabo-verdianos, cujos nomes se ignoram, detidos em estaleiros da construção civil nos arredores de Lisboa.
4. Quanto ao mês de Abril:
Na Universidade do Porto e em 4/4/73, por ocasião de um «meeting» convocado pelas AAEE como protesto contra a realização de um festival de coros universitários com a participação da África do Sul, Filipinas, Espanha, Rodésia, etc., foram detidas 274 pessoas, na maior parte estudantes, dos quais 3 foram julgados no Tribunal da Polícia. Os restantes foram posteriormente postos em liberdade mediante a aplicação de uma multa, que, todavia mais de metade dos detidos se recusou a pagar. Os 3 julgados são Alberto Melo, de 19 anos, estudante de Medicina; José Carvalho, de 18 anos estudante de Engenharia, e um trabalhador.
— no dia 4, João Duarte de Carvalho, aluno do ISE, preso nos primeiros dias de Janeiro, foi libertado e preso de novo;
— no dia 6, Proença, aluno do ISE;
— no dia 7, Fernando Borges Coelho, Miguel Raposo de Magalhães, António Metelo Perez, cidadão espanhol, Fernando Araújo Coelho, Francisco Cal, todos alunos do ISE; Justino Jofre e um irmão, alunos do IST; e António Peres, cobrador do Sindicato dos Técnicos e Operários das Indústrias Químicas;
— de novo na Universidade do Porto, no dia 7/4/73, foram detidos os estudantes Fernando Neves Rodrigues Martins, de 23 anos, casado; Cândida Maria Serra Leonor Felício, de 18 anos, e António Judio de Sá Silva, de 26 anos, levados também a julgamento no Tribunal da Polícia daquela cidade;
— no dia 13, Maria Helena Andrade, presa no Aeroporto de Lisboa, quando entrava no País, vinda de Paris; libertada nessa mesma noite;
— no dia 17, foi preso no Porto o estudante Pedro Luís da Rocha Baptista;
— no dia 18, Jorge Alexandre Batalha Ferreira, empregado de uma companhia de seguros, casado, com um filho, preso em casa, de manhã, em Bobadela;
— no dia 20, João André, da Amadora, preso na rua;
— no dia 28, António Carvalho, arquitecto, de 50 anos, casado, natural da Nazaré e residente em Lisboa, preso na rua, de madrugada; Rui Afonso Leitão de Sousa Guimarães, de 21 anos, aluno do 4.° ano do ISE, natural e residente em Lisboa, preso na rua, de madrugada. Ambos foram detidos pela PSP e entregues à DGS. Transitaram depois para Caxias; Guilherme Delfim, José da Costa Januário e Raul dos Ramos Barros, todos de Alcobaça e empregados na Crisal;
— no dia 30, Jorge Mendes Godinho, do Barreiro; Alfredo Frade, José Manuel Boavida e António, os três estudantes de Medicina; Armando Cerqueira, empregado bancário e estudante de Letras, preso na madrugada do dia 30; Fernando António Baptista Pereira, estudante de Letras, preso na madrugada de 29 para 30; Paulo Varela Gomes, estudante de Letras, preso em casa, às 7 horas da manhã; Nogueira Santos, Fernando Justino, Eduardo, preso na Baixa da Banheira, Correia Monteiro, Grave Costa, Saraiva da Silva, todos alunos do IST; Jorge Carlos da Silva Luz, presidente da Associação Académica de Setúbal; José Afonso, preso na sua casa em Setúbal, às 21 horas do dia 30; José Teodósio, preso também em Setúbal;
— conhece-se ainda as prisões de Manuel dos Santos Guerreiro, de 30 anos, de Grândola, motorista da fábrica Aluemba, em Sintra; Sardinha, estudante da Faculdade de Direito; Fernando Coelho, estudante do ISE.
5. Quanto ao mês de Maio:
— no dia 1, Eduardo da Silva Pires, aluno do IST e empregado da Lisnave; António Manuel Pedro, operário fabril, Manuel Carlos Martins Miranda, desenhador, todos presos na Baixa da Banheira; João Mário Mendes Godinho, João Fialho, todos detidos no Barreiro; Eugénio Ruivo, Manuel Ruivo (irmão do anterior), ambos estudantes do ensino técnico, e o pai, este libertado no dia 8; Joel Duarte, 16 anos, estudante do ensino técnico, preso em casa; um operário do Lavradio; Mário Jorge Rego Rodrigues Alves, 17 anos, trabalhador, preso em casa; Serafim Murraçal Ginete, preso na rua; António Francisco Farinha Doidinho, 17 anos, aluno da Escola Técnica Afonso Domingues; António Maria Baptista Chinite, de 16 anos, aluno do liceu, libertado no dia 5; Carlos António Neto do Amaral, estudante; Mário Rui Alfama Pais, de 26 anos; José Luís Costa Pinto de Sá, aluno do 3.° ano de Engenharia do IST; Maria Fernanda Aspez, 16 anos, aluna do liceu D. Dinis, libertada no dia 4; Violante, estreante da Faculdade de Ciências; José Albino Marques Teixeira, natural do Cartaxo, Maria Lúcia da Conceição Fontaínha Tavares, ambos estudantes da Faculdade de Direito, e mais dois companheiros; Maria Emília Ferro Rodrigues, aluna do ISE, presa no Rossio quando transitava de automóvel; Mário Prata Barros, também aluno do 3.° ano do ISE; ainda aluna do ISE foi presa em casa, com busca, Isabel Patrocínio, casada com João Duarte Carvalho, o qual, conforme atrás já noticiado nesta circular, foi preso pela segunda vez no dia 4 de Abril; Figueira Gouveia, que esteve preso há cerca de 2 anos, depois de cumprimento de pena; igualmente presos quando circulavam de automóvel no Rossio, 3 funcionários do Gabinete de Planeamento da Secretaria de Estado da Indústria, Rafaela da Conceição Caiado dos Anjos, João Mário Monteiro dos Anjos, marido da anterior e aluno do 3.° ano do IST, e Eduardo Ferro Rodrigues, aluno do ISE, da mesa da A. G. da Associação de Estudantes; Ana Quintalo e Armindo Silva, empregado no Sindicato dos Químicos; Rodrigo de Freitas, decorador; Nuno Rebocho e Dúlia Ferreira Rebocho, que foram espancados pela PSP na esquadra e libertados no dia 7 com muita de 1800$00; Eurico Fernando Duarte Vieira, preso na Figueira da Foz.
Por este mesmo dia foram presos no Porto: José Cardoso, empregado de escritório, Nozes Pires, professor do cicio preparatório; Horácio Guimarães, Paulo Teixeira de Sousa, ambos estudantes; Sérgio Valente, fotógrafo, libertados nos dias 2 e 3, e ainda Isabel Maria Seabra Correia Soares, estudante, presidente da A. E. de Medicina;
— no dia 3, Carlos Costa, presidente da AEIST, preso na Cidade Universitária; Rui Lobão, Jorge Fernandes, da direcção da ESIST, João Martins, Luís F. Costa, João Henriques, António Moura (libertado no dia 8), Moiano Marques, José M. Matos, Carlos Nunes. José Manuel Proença dos Santos, Jorge Meneses, Jesus Filipe, Conceição Marques, libertada no dia 5, todos alunos do IST; Armindo José Patrício da Silva, da antiga direcção da Associação de Estudantes do ISE; José Nogueira, Emanuel, também do ISE, Aurora e José Lamego da Faculdade de Direito, todos presos na Cidade Universitária;
— no dia 4, José Manuel Ferreira, de Cacém, aluno do 2.° ano do Instituto Industrial, preso no trabalho;
— conhece-se ainda as prisões dos estudantes Aurora, do Instituto Comercial; João Queirós, do Instituto de Novas Profissões; Ana Maria Quintal da Cunha, mulher de António Perez, aluna da Faculdade de Ciências; Abílio José Martins Leite, de 16 anos, aluno da Escola Técnica do Cacém, preso na rua.
PRISÕES EM LUANDA
1. Ainda no mês de Dezembro de 1972, foi preso Lourenço Miguel Neto, de 27 anos, empregado;
2. Quanto ao mês de Fevereiro:
- no dia 26, Pedro Fortunato Luís Miguel, de 29 anos.
3. Entre Fevereiro e Abril: Mendes João de Almeida, funcionário; Manuel Hemógenes, empregado; Catarino Rodrigues (paralítico); Paulo Ferreira, estudante universitário; Adriano da Conceição Pereira da Silva, de 19 anos, estudante; Manuel Cadete Gaspar, estudante; Eduardo Rómulo, empregado; Francisco Godinho, de 25 anos, estudante; Esteves Paca, de 20 anos, estudante; no Muceque Lixeira, foram feitas outras prisões, entre elas as de dois estudantes universitários;
PRISÕES EM CABO VERDE
No dia 28 de Abril foram feitas 4 prisões na cidade da Praia e 14 prisões em S. Vicente.
A VIOLÊNCIA POLICIAL
Como já fizemos referência, as forças policiais desencadearam, nos primeiros dias deste mês, uma desusada onda de violência.
No 1.° de Maio, as zonas centrais da cidade de Lisboa e Porto foram teatro de grandes concentrações por parte das forças das diversas corporações policias e parapoliciais (com agentes fardados e à paisana). No Rossio e em toda a área circundante essa presença não se limitou ao papel de intimidação ou de repressão, mas adquiriu características de verdadeira agressão: espancamentos brutais e indiscriminados, grande número de feridos, dezenas de prisões. Dessa agressão foram vítimas muitos trabalhadores, assim como estudantes e outras pessoas que se limitavam a passar pelo local.
No dia 3 de Maio, os incidentes ocorridos em Lisboa na Faculdade de Letras e na cantina da Universidade constituíram uma nova expressão dessa violência: cargas de polícias armados sobre estudantes, utilização de granadas de gás lacrimogéneo, cerco da cantina à hora da refeição e intenso tiroteio. Pelo menos 5 estudantes foram atingidos pêlos tiros, um dos quais gravemente — o aluno de Medicina Luís Filipe da Silva Simões.
LIBERTAÇÕES
1. Depois de 6 de Fevereiro, data da publicação da última circular, a CNSPP teve conhecimento de algumas libertações: Revez, em 1/1/73; Rogério Miranda, em 28/1/73; Eduardo Ferreira, em 29/7/73, e ainda Mário Alves.
2. No mês de Fevereiro: em 13/2/73, foram postos em liberdade, depois de julgamento, Joaquim Maurício Ribeiro Pires, de 22 anos, do Lobito, Maria da Graça Coelho Baltasar, de 20 anos, de Lisboa, Isabel Salavisa de Oliveira Lança, de 21 anos, natural de Lisboa, os três com pena suspensa por 4 anos, e Maria de Lurdes da Glória Vicente Fernandes Baguinha, de 27 anos, natural de Lisboa, com multa correspondente a 22 meses de prisão correccional substituíveis por 30$00 diários; no dia 18, Mário Constâncio Calvário Cardoso, de Alhos Vedros, após julgado e condenado a 18 meses de prisão; igualmente libertado no mesmo dia, Vítor Manuel Martins Bento; no dia 20, José Lobato Pulquério; no dia 28, Manuel Candeias, Eduardo Meireles, Francisco Canais Rocha e Afonso Ascensão Rodrigues; no dia 22 e depois de julgamento, saíram em liberdade Carlos Palma Miranda, de 25 anos, professor de programação, que foi absolvido, e Fernando Martins de Brito, de 24 anos, engenheiro químico-industrial, com pena suspensa por 4 anos.
3. No mês de Março: foram libertados Domingos Abrantes, no dia 23; Domingos Félix da Conceição Pinho, no dia 28, e João Camilo, no dia 31, o qual tinha sido preso pouco antes, pela segunda vez.
4. No mês de Abril: foi libertado no dia 7, Joaquim Pinto de Andrade, após cumprimento de 3 anos de pena maior; no dia 10, após julgamento, Armando de Sousa Teixeira, de ?? anos, estudante do Instituto Industrial de Lisboa, preso quando prestava serviço militar em Moçambique. Posto em liberdade mediante o pagamento de multa correspondente a 18 meses de prisão correccional substituíveis por 30$00 diários e 2200$00 de imposto de justiça.
5. No mês de Maio: no dia 3, após julgamento, Maria Teresa Tengarrinha Dias Coelho, de 18 anos, solteira, do 2.° ano da ESBAL, que foi absolvida, e João Pedro de Lemos Santos Silva, de 22 anos, solteiro, do 1.° ano do Instituto Superior de Agronomia, com pena suspensa por 3 anos.
6. Conhece-se ainda a libertação de Miguel Dantas Machado Guimarães, após cumprimento de pena correccional de 20 meses.
ACTIVIDADE DOS TRIBUNAIS
1. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou a pena de 2 anos de prisão maior, aplicada pelo Tribunal Plenário de Lisboa, em Dezembro de 1971, a Mário de Carvalho, advogado em Lisboa.
2. Em 13/2/73, com a leitura do acórdão, o Tribunal Criminal Plenário de Lisboa condenou: Pedro Luís Correia Malho, de 22 anos, natural de Nova Lisboa, Fernando Alves dos Reis Júnior, de 25 anos, de Silva Porto, Nuno Lapa da Cunha Porto, de 25 anos, de Lisboa, José Mário Dias Alves da Costa, de 23 anos, de Santo António do Zaire, em 2 anos de prisão maior, perda de direitos políticos por 15 anos e no imposto de justiça de 2200$00; Carlos Alberto Nascimento Saraiva da Costa, de 21 anos, natural de Benguela, em 2 anos e 9 meses do prisão maior e perda de direitos políticos por 15 anos; Maria de Lurdes da Glória Vicente Fernandes Baguinha, de 27 anos, de Lisboa, em 22 meses de prisão correccional, substituídos por multa a 30$00 diários; Joaquim Maurício Ribeiro Pires, de 22 anos, do Lobito, Maria da Graça Coelho Baltasar, do 20 anos, e Isabel Salavisa de Oliveira Lança, de 21 anos, ambas de Lisboa, em 18 meses de prisão correccional, substituídos por multa a 30$00 por dia e perda de direitos políticos por 5 anos, com pena suspensa por 4 anos.
3. Ainda em 13/2/73, foi condenado José António Brasido Palma, de 44 anos, solteiro, ferroviário, natural de Grândola, em 2 anos e 9 meses de prisão maior, perda dos direitos políticos por 15 anos e 2200$00 de imposto de justiça.
4. Em 27 de Fevereiro, em julgamento iniciado no Plenário de Lisboa, a 20, foram condenados: António Tavares Coutinho Coelho, professor, natural do Porto, a 2 anos e meio de prisão maior, assim como Luís Vilan Marques Rodrigues, estudante, de Lisboa; Rui Barbosa Paulo da Cruz, jornalista, de Braga, a 3 anos de prisão maior; Licínio Pereira da Silva, agente técnico de engenharia, de Lisboa, e José Vicente da Silva Dias, de Lisboa, mas residindo em Coimbra, ambos a 6 anos de prisão maior. Alguns dos réus interpuseram recurso.
5. Em 21/3/73, o Tribunal Militar do Porto condenou o alferes miliciano António Júlio Almeida Garcia, de 28 anos, a prestar serviço no RI 14 em Viseu, a 3 anos e 9 meses de prisão maior, e o furriel miliciano Alberto Almeida Garcia (irmão do anterior), de 25 anos, a prestar serviço no RAA 8, em Cascais, a 2 anos, e 6 meses de prisão maior. Aos dois foram ainda suspensos os direitos políticos por 3 anos.
6. O Plenário Criminal de Lisboa, por acórdão de 22/3/73, deu as seguintes sentenças: Rui Teives Henriques, de 25 anos, engenheiro químico-industrial, e Carlos Tomás, de 22 anos, estudante de engenharia, a 2 anos de prisão maior; Joaquim Prudêncio Vieira, de 21 anos, também estudante de engenharia, a 18 meses de prisão correctiva; Carlos Palma de Miranda, de 25 anos, professor de Programação, foi absolvido; Fernando Martins de Brito, de 24 anos, engenheiro químico-industrial, a 14 meses de prisão correccional, com pena suspensa por 4 anos, e Duarte Teives Henriques, licenciado em Direito, de 27 anos, com 14 meses de prisão correccional, remíveis por multa à razão de 50$00 diários.
7. O Tribunal Plenário Criminal de Lisboa adiou para 10 de Maio o julgamento de Carlos Domingos Soares da Costa, de 40 anos, que devia ter sido iniciado em 27/3/73.
8. No dia 10/4/73, foi condenado Armando de Sousa Teixeira, de 23 anos, a 18 meses de prisão correccional, substituídos por multa a 30$00 por dia, 2200$00 de imposto de justiça e perda de direitos políticos por 5 anos.
9. Em 27/4/73, foi condenado a 2 anos e meio de pena maior pelo Tribunal Militar de Viseu José Fernando da Fonseca Simões de Sousa, estudante do Instituto Superior de Economia, que na altura da prisão prestava o serviço militar em Leiria.
10. Em 3 de Maio, no Tribunal Criminal Plenário de Lisboa, Maria Teresa Tengarrinha Dias Coelho, de 18 anos, solteira, aluna do 2.° ano da ESBAL, foi absolvida, e João Pedro de Lemos Santos Silva, de 22 anos, solteiro, aluno do 1.° ano do ISA, foi condenado em 18 meses de prisão correccional, suspensão de direitos políticos por 5 anos e 2400$00 de imposto de justiça. A pena ficou suspensa por 3 anos.
11. Em 8 de Maio, o 3.° Tribunal Militar de Lisboa condenou Orlando Gomes Nunes em 3 anos de prisão maior e suspensão de direitos políticos por 8 anos, e
José Pedro Correia Soares em 3 anos e meio de prisão maior e perda de direitos políticos por 9 anos. Foi-lhes levada em conta a totalidade da prisão preventiva já sofrida.
O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DA MACHAVA
A prisão da Machava ou, como agora a designam as autoridades portuguesas, o «Campo Prisional da Machava», ou ainda «Campo de Recuperação da Machava», é um dos vários campos de concentração onde a PIDE-DGS interna os moçambicanos suspeitos ou condenados por actividades «subversivas».
A prisão da Machava situa-se numa pequena elevação contígua ao vale do Infulene, a cerca de 7 km de Lourenço Marques. Embora esteja localizada no interior dos muros da Cadeia Central da Machava, departamento que está sob a autoridade da Procuradoria da República, a prisão da Machava tem um estatuto próprio, diferente do que rege os Serviços Prisionais, apenas inspirado na actividade repressiva da PIDE-DGS. A separar a zona da Cadeia Central da Machava (onde apenas são internadas pessoas suspeitas ou condenadas por casos de delito comum) da zona do campo de concentração existe uma cerca de rede com cerca de 3,5 m, encimada por várias ordens de arame farpado. Compõem o campo de concentração 8 pavilhões — construções baixas, compridas e isoladas umas das outras por pátios de terra solta — e um edifício destinado aos serviços da chefia do campo, onde, além de vários gabinetes, está instalado um posto sanitário. Nos pavilhões as celas distribuem-se ao longo de um corredor central que vai de topo a topo. A dimensão das celas é normalmente de 2X3X3,5 m, havendo também celas maiores, com cerca de 3X12X3,5 m. As primeiras são designadas por «celas individuais», o que não obsta a que, na maior parte dos casos, alojam 6 a 8 detidos. As celas maiores chegam a alojar 50 detidos, embora a sua lotação prevista seja de 20.
Estão neste momento internados no campo de concentração da Machava cerca de 2100 moçambicanos — muito para além da sua lotação máxima de 800 detidos.
O aspecto mais chocante na prisão da Machava é o confronto inevitável entre o tratamento que têm os presos de delito comum da Cadeia Central propriamente dita – tratamento muito próximo do de uma cadeia legalmente organizada — e o tratamento dos presos políticos. Um assassino confesso conta com um mínimo de condições sanitárias, dorme numa cama, tem uma alimentação sofrível em refeitório adequado, tem ocupação fora da cela na maior parte do dia, tem a possibilidade de praticar desporto e de estudar, tem assistência religiosa, tem uma biblioteca, tem várias visitas por semana, tem a possibilidade de ler alguns jornais. O preso político, ainda que apenas suspeito da prática das tais actividades «subversivas», vive em condições absolutamente sub-humanas: dorme apertado entre os 7 companheiros no exíguo chão da cela, sobre uma esteira; na cela passa 23 horas por dia; na cela come - e a sua dieta é inconcebível de pobre, além de repelente, além de debilitante; é-lhe normalmente proibida a convivência com os detidos dos outros pavilhões na meia hora de recreio; são-lhe normalmente proibidos os exercícios físicos, a leitura, os actos religiosos, o cantar até! As visitas, que só lhe são autorizadas dois a três meses após a detenção, são dificilmente de conseguir, pois os seus familiares são encarados pela PIDE-DGS como «potencialmente subversivos». Para os presos políticos a visita só acontece uma vez por semana — quando acontece, uma vez que mesmo depois de autorizada qualquer guarda pode suspendê-la por iniciativa própria — e dura 15 minutos. Realiza-se num parlatório com má iluminação e com péssimas condições acústicas e diante de dois guardas da PIDE-DGS, um branco e um auxiliar negro. A conversa, que tem de ser gritada através de uma barreira de arame, é obrigatoriamente em português. Caso o detido ou os seus familiares não saibam falar português, a visita é muda! — e isto passa-se na maior parte dos casos. Além do que estas condições já têm de deprimente, os guardas da PIDE-DGS, na sua maior parte antigos comandos, pára-quedistas e fuzileiros navais das forças portuguesas que actuam em Moçambique, tudo fazem para sujeitar os detidos a um clima de terror, com espancamentos, ameaças, insultos, rusgas às celas, contínuas revistas aos detidos.
E contra este estado de coisas nenhuma reacção é possível, uma vez que cerca de 80 dos detidos estão sujeitos ao chamado processo administrativo, que é instruído pela PIDE-DGS, não tem instrução contraditória, não admite a intervenção de advogado, não é remetido a tribunal e acaba por ser «julgado» pela autoridade administrativa sem a presença nem o conhecimento do arguido, que, em caso de «sorte», pode vir um dia a ter conhecimento do número de anos a que foi condenado. Por assim ser, os tribunais, onde muitas vezes os familiares dos detidos se dirigem, respondem invariavelmente não saberem e não poderem saber da detenção de que se fala, e portanto não poderem intervir em relação aos maus tratos que «porventura» sofram os prisioneiros do campo da Machava.
A violência «norma!» e quotidiana do campo de concentração é precedida pela vigilância particular e já denunciada dos interrogatórios feitos pela PIDE-DGS na formação dos processos políticos. Só que, no caso da Machava, para além da já tradicional tortura do sono, da estátua, do puro espancamento e dacela disciplinar utilizada para a extorsão de «confissões», os métodos incluem outros «requintes» como a aplicação do «feijão macaco» — um pó extremamente urticário que se espalha pela cela e que se torna mais insuportável com os baldes de água que de três em três horas se atiram ao «supliciado». Ao fim de 24 horas o preso tem o corpo em sangue de tanto coçar, e está afónico de tanto gritar. Em muitos casos a tortura já não visa a obtenção de matéria incriminatória—visa apenas a pura eliminação do preso. E quando a morte sobrevêm a PIDE-DGS informa os familiares do preso da «fuga» deste.
A mudança de designação do campo de concentração para «Campo de Recuperação» constitui uma tentativa de desmentir a denúncia que a imprensa internacional mais consciente faz da situação dos presos políticos da Machava. Efectivamente a PIDE-DGS tem-se esforçado por fornecer a jornalistas e personalidades nacionais e estrangeiras uma imagem diferente da prisão da Machava. Em visitas «de surpresa» devidamente organizadas, os convidados da PIDE-DGS vêem na Machava um «Campo de Recuperação» com escola primária, oficinas, hortas, campo de futebol, onde os guardas são humanos e os presos estão profundamente desiludidos com a FRELIMO, a falsidade dos chefes do movimento, e eternamente gratos e reconhecidos para com as autoridades portuguesas, nomeadamente para com a PIDE-DGS, que lhes perdoa os crimes e, pacientemente, lhes mostra o brilhante caminho da reintegração. Funciona neste campo de recuperação um jornal «dos próprios presos», intitulado RESSURGIMENTO. Trata-se do principal «instrumento da recuperação».
Além da reprodução de artigos reaccionários, uns originais, outros transcritos, o RESSURGIMENTO inclui sempre uma secção em que os repórteres, por indicação do chefe da prisão, fazem entrevistas aos detidos. Claro que o tom geral é o do arrependimento, reconhecimento, etc. etc. Este jornal é de tal modo importante que a PIDE-DGS fez deslocar um preso-repórter (informador), o José Catopola, a Porto Amélia para entrevistar o Lázaro Cavandame... Os presos que colaboram nesta grosseira mistificação elevam-se a cerca de 400. Estes «recuperados», consoante o grau de «arrependimento» que revelem, podem ser postos em liberdade (condicional) antes do integral cumprimento da pena — seja ela judicial ou administrativa. Uma vez em liberdade transformam-se em informadores da PIDE-DGS...
A percentagem de recuperados, que pode parecer estranhamente elevada para uma prisão política, explica-se por várias razões:
1.° — A maior parte dos presos são-no fundamentalmente porque são negros e portanto potencialmente perigosos, mesmo que não activos. Uma simples denúncia conduz em Moçambique a uma longa prisão. E mesmo sem qualquer denúncia as prisões para simples intimidação ou demonstração de força são frequentes e numerosas. Quando se vai dar à prisão por aplicação de tais critérios é admissível que se possa ter qualquer preparação política.
2.° — As desumanas condições a que estão sujeitos os presos da Machava têm um peso considerável no jogo de chantagem que os «recuperadores» estabeleceram. Quem não se deixe «recuperar» está virtualmente condenado à prisão perpétua, quando não à própria morte.
3.° — As condições a que um preso está sujeito desde o primeiro dia são de tal modo duras que se pode afirmar com segurança que no campo não existe um único detido em condições psíquicas normais. Além disso não há a mínima possibilidade de resistência organizada, uma vez que a convivência e o contacto de grupo para grupo são nulos. Acresce que a colocação de informadores em cada grupo é normalíssima.
O ESTADO DE SAÚDE DO PRESO POLÍTICO ANGELO MATOS MENDES VELOSO
O estado de saúde de Ângelo Matos Mendes Veloso tem vindo a piorar de há um ano a esta parte. Apresenta sintomas dolorosos muito intensos na coluna e perna esquerda com atrofia da mesma e diminuição do comprimento; quatro médicos de especialidades diferentes convergem no diagnóstico: hérnia discal e a necessidade urgente de uma intervenção cirúrgica é apontada por mais de um médico. O Dr. Mário Leão Ramos manifesta-se a 8/4/73 da seguinte maneira: «o lombostado e a palmilha irão aliviar-lhe a dor, irão aconchegar o lombo porque irão substituir em grande parte os músculos que o doente deixará de utilizar e fazer funcionar. Mas o mal continuará e poderá até evoluir, piorando; os 12 Ralaquinos e os 30 gramas de Valium diários não debelam o mal e podem provocar-lhe intoxicação!
Ângelo Veloso pretende ser operado pela equipa neurocirúrgica do Dr. Leão Ramos no Hospital Geral de Santo António, no Porto, e responsabiliza-se por todas as despesas necessárias para a sua transferência para esse hospital e consequentes tratamentos, incluindo a operação.
No entanto a sua situação mantém-se inalterada desde Março de 1972, data em que o mal começou a agravar-se.
NOTÍCIAS
CENTRO DE SOLIDARIEDADE CONTRA A REPRESSÃO ECONÓMICA
Na sequência da acção repressiva desenvolvida por ocasião dos acontecimentos da Capela do Rato no final do ano de 1972, constituiu-se um grupo com o objectivo de anular os créditos económicos causados pela repressão nas pessoas por ela atingidas, nomeadamente quanto ao pagamento das cauções (que atingiram perto de 150 contos) e ao despedimento de funcionários públicos. Este grupo, que no espaço de 2 meses colectou uma centena de contos, tornou possível assegurar o pagamento das cauções e o pagamento dos vencimentos em todos os casos em que as próprias pessoas atingidas não tiveram possibilidade de suportar esses encargos.
Resolvidos os efeitos imediatos daquela repressão, nomeadamente a obtenção de novos empregos para 9 dos 12 funcionários demitidos, e verificando-se um saldo de caixa, decidiram as pessoas que tinham tomado aquela iniciativa constituir-se em grupo de apoio à CNSPP com a finalidade específica de contribuir para a solução de outros casos de repressão económica, nomeadamente cauções e multas. No seguimento desta decisão, foram já atribuídos subsídios para o pagamento parcial de muitas a 3 presos políticos. O aumento do fundo destinado a este fim constituirá uma arma eficaz na anulação da repressão de carácter económico, que as autoridades têm vindo a intensificar ultimamente, a par de outros tipos de repressão habituais. As contribuições poderão ser canalizadas através de qualquer dos membros da CNSPP.
PROVIDÊNCIAS DE «HABEAS CORPUS»
Foram entregues na Comarca de Sotavento (Cabo Verde) pedidos de «habeas corpus» a favor de Bernardo Lopes Teixeira, Jaime Gaspar Cohen e Gilberto Saraiva de Carvalho, internados no Campo do Tarrafal, oficialmente designado por Campo de Trabalho de Chão Bom, a coberto de simples medidas administrativas. Estes presos são todos angolanos. Esta entrega, dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça, seguiu-se à recusa de recepção, pela 1." vez verificada em requerimentosdeste género, nas Relações de Lisboa e Porto.
Soube-se entretanto que Eduardo Santana Valentim, a quem o Supremo mandou restituir à liberdade após providência análoga verificada no ano passado, e que fora colocado com residência fixa na Baía dos Tigres, em Angola, foi de novo preso e enviado para o Campo de Concentração de S. Miguel, no deserto de Moçâmedes, a norte desta cidade.
UMA POSIÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS
Na sua assembleia-geral de 13 de Janeiro passado, a Ordem dos Advogados aprovou a seguinte moção:
«Considerando que as recentes providências legislativas, no que respeita à intervenção dos advogados na instrução preparatória em decurso na Direcção--Geral de Segurança, além de gravemente afrontosas para os advogados, vieram na prática a legalizar a impossibilidade dessa intervenção;
Considerando que, no âmbito do Decreto-Lei n.º 368/72, de 30 de Setembro, foram já indeferidos vários requerimentos de advogados, nos quais se solicitava a possibilidade de estarem presentes nos interrogatórios a que os seus constituintes estariam a ser submetidos;
Considerando que a prática passada, estes casos e a previsibilidade mais elementar quanto ao futuro permitem concluir que se está transformando em regra, o que não deveria, mesmo nos termos do citado decreto-lei, passar de excepção, e que, em consequência, continuará a não ser permitida a assistência dos advogados aos interrogatórios dos arguidos efectuados na Direcção-Geral de Segurança e com as consequências conhecidas, quer quanto aos constituintes, quer quanto à possibilidade real de exercício, com um mínimo de dignidade, do patrocínio judiciário nesses casos;
Considerando, finalmente, que a presença do advogado nas audiências de julgamento no Tribunal Plenário é cada vez mais, em termos de dignidade e eficácia prática, impossível de ser, sequer, razoavelmente cumprida ou prosseguida, pêlos factos já descritos e ainda, além de outros condicionalismos, pela intervenção de testemunhas de acusação profissionais, pela dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de contactar com os constituintes em condições de liberdade, pela inexistência de sigilo na correspondência com estes, pelos entraves constantes levantados a uma criteriosa consulta do processo, pela impossibilidade prática de recurso de todas as ilegalidades cometidas em consequência da vigência do art. 41.° do Estatuto Judiciário:
A assembleia-geral, tendo em conta a gravidade dos factos referidos, delibera:
1.º — Considerar que é urgente sejam tomadas medidas concretas tendentes a acabar com a descrita situação tão pouco dignificante do exercício da advocacia e da administração da Justiça em Portugal;
2.° — Considerar que os factos apontados constituem justa causa para a não aceitação ou renúncia ao patrocínio em todos os processos em curso na Direcção-Geral de Segurança e nos Tribunais Plenários;
3.° — Recomendar a todos os advogados que, na medida do possível, tendo em conta as particularidades de cada caso e sem violação do princípio da livre decisão de cada mandatário, se recusem a colaborar na prática judiciária exercida em tão desprestigiantes condições profissionais e que, nos tribunais e fora deles, denunciem e combatam de modo firme e pertinaz o aludido condicionalismo;
4.° — Proceder, por intermédio do conselho geral a um inventário, tão completo quanto possível, das medidas concretas que a situação impõe e a verdade e a liberdade inerentes ao exercício profissional exigem, com vista a uma indispensável e radical modificação das descritas condições da prática judiciária nos Tribunais Plenários, inventário esse que deverá ser submetido à apreciação da próxima assembleia ordinária».
No seguimento desta posição, alguns advogados renunciaram ao mandato, recusando-se a aceitar a defesa de processos políticos perante o Tribunal.
COMENTÁRIO: MEDIDAS DE SEGURANÇA E PRORROGAÇÃO DA PENA DE PRISÃO
No dia 16 de Novembro de 1972, coincidindo com a abertura do l Congresso Nacional dos Advogados, publicou o Governo o Decreto n.º 450/72, cujo artigo 1.º diz: «São abolidas as medidas de segurança de internamento previstas no art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 40 550, de 12.3.56, e revogados expressamente os artigos, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do mesmo decreto-lei.»
Trata-se das medidas de segurança de internamento, indeterminadas e prorrogáveis indefinidamente por períodos de 6 meses a 3 anos, destinadas à repressão de actividades políticas, e que desde o seu aparecimento, em 1956, sempre levantaram os maiores protestos, pelo carácter que revestiam, de potencial prisão perpétua.
A publicação do Decreto-Lei n.º 450/72, anunciada pelo Ministério da Justiça na sessão inaugural do Congresso dos Advogados, destinou-se a dar ao público a ideia de que essas medidas de segurança tinham sido abolidas. Os meios de informação noticiaram, na generalidade, sem restrições, a «abolição das medidas de segurança para presos políticos». Ora o facto é que esse decreto de Novembro de 1972 só aparentemente pôs termo à repressão das actividades políticas pela via das «medidas de segurança de internamento»; é que em vez de tais «medidas» passaram os Tribunais Plenários a poder aplicar (e a aplicar efectivamente, pelo menos, até agora, o Plenário de Lisboa) penas prorrogáveis por 2 períodos sucessivos de 3 anos quando se mantenha o estado de perigosidade, verificando-se que o condenado não tem idoneidade para seguir vida honesta.
São estes, na verdade, os termos em que o artigo 67.º do Código Penal (versão de alteração introduzida em Maio de 1972) pune os «delinquentes de difícil correcção» («habituais» e «por tendência»), determinando o artigo 175.°, § 3.°, do mesmo Código que «os que forem julgados como terroristas serão sujeitos ao regime aplicável aos delinquentes de difícil correcção».
O Tribunal Plenário de Lisboa, dando provas de uma perfeita actualização na matéria, aplicou já essa medida de prorrogação de pena (que deixou de ter o rótulo de «medidas») em 4 casos:
— em Novembro de 1972, José Eurico Bernardo Fernandes, de 38 anos de idade, de Albufeira, foi condenado, além do mais, a 8 anos de prisão maior, prorrogáveis por 2 períodos sucessivos de 3 anos, ou seja a um total punível de 14 anos;
— em 1 /2/73, Carlos António Cardoso Gonçalves, carpinteiro, foi condenado a 6 anos de prisão maior, sujeita a prorrogação por 2 períodos de 3 anos, o que poderá vir a dar uma pena possível de 12 anos.
— ainda em Fevereiro de 1973, Lucínio Pereira de Lisboa, de 25 anos, agente técnico de engenharia, e José Vicente de Sousa da Silva Dias, de 26 anos, foram condenados a 6 anos de prisão maior cada um, ficando ainda sujeitos à prorrogação da pena, o que aumenta esta em princípio para um total de 12 anos de prisão a cada um.
Mantém-se assim o sistema de repressão por via administrativa, pois fica ao arbítrio das autoridades prisionais e policiais decidir sobre a «manutenção do estado de perigosidade» do preso.
De resto, o Decreto n.º 450/72 — que alargou ainda mais as hipóteses de punição de actividades políticas — acentua a tendência para a repressão dessas actividades por via administrativa (isto apesar de se manter, paralelamente, o sistema dos tribunais especiais, os plenários): tal como para qualquer vulgar infracção ao Código da Estrada, passou a ser possível a aplicação de multas (do quantitativo fixo de 1500$00) aos que se «ajuntarem em lugares ou edifícios públicos em motim ou arruído, empregando violências, ameaças ou injúria, perturbando a ordem pública ou o funcionamento dos serviços públicos» (se não houver lugar a punição mais grave). Essas muitas serão aplicadas directamente pelas autoridades policiais quando verificada em flagrante a «contravenção». Verifica-se, assim, que além da repressão administrativa, o Decreto n.º 450/72 recorre à repressão por via económica directa.
COMUNICADO À IMPRENSA
(11/5/73)
AGRAVA-SE A REPRESSÃO POLÍTICA EM PORTUGAL
Tem-se verificado, nas últimas semanas, um acentuado agravamento da repressão política no nosso país: com o pretexto de impedir quaisquer manifestações públicas por ocasião do 1.º de Maio, procedeu a Direcção-Geral de Segurança à prisão indiscriminada de um elevado número de pessoas, em várias localidades e pertencendo aos mais diversos sectores de actividade profissional.
Só durante o período que decorreu de 7 de Abril a 7 de Maio tem a CNSPP conhecimento de terem sido presas 91 pessoas, cujos elementos de identificação se possuem já. Sabe-se, no entanto, que muitas outras dezenas de pessoas foram detidas, encontrando-se a maior parte delas ainda nas prisões da DGS, que assim teve que recorrer não só à acumulação de presos nas celas habitualmente utilizadas, mas ainda teve que pôr em funcionamento celas interiores da Cadeia de Caxias, sem luz, nem condições mínimas de alojamento, onde se encontram amontoados os detidos.
A CNSPP sublinha o carácter absolutamente arbitrário de tais detenções, sempre acompanhadas de buscas às residências dos detidos, com devassa do domicílio de cada um, e com a sistemática apreensão de livros que se podem adquirir no mercado.
Chama igualmente a atenção para o facto de aos detidos não serem asseguradas as condições mínimas a que têm direito: a DGS não permite a presença de advogados aos interrogatórios, e as visitas de familiares são arbitrariamente concedidas, negadas ou retiradas, sem justificação aceitável, e sempre no regime de uma visita por semana, o que é manifestamente insuficiente,
abrindo a porta às suspeitas mais sombrias quanto ao tratamento que o preso pode sofrer na cadeia nesses intervalos de visitas.
A actual vaga de repressão foi pretensamente «justificada» pela polícia política na sua nota de 1 de Maio, na qual tentou confundir a opinião pública, responsabilizando o movimento associativo estudantil por aquilo a que chama o «surto de violência desencadeado», e indicando os nomes de alguns estudantes presos, mas silenciando os nomes dos camponeses de Mértola, dos operários de Alcobaça, de tantas dezenas de outros trabalhadores, em especial da região de Lisboa e Setúbal, que neste momento igualmente se encontram na situação de vítimas de tais «medidas preventivas».
A REPRESSÃO NA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Especialmente grave foi o motivo que revestiu a repressão na Universidade de Lisboa, em particular no dia 3 de Maio, em que a PSP usou de uma brutalidade que só por sorte não redundou em tragédia: tendo-se os estudantes refugiado no edifício envidraçado da cantina universitária, foram selvaticamente agredidos a tiro, do que resultou, além do pânico que os levou a tentarem abandonar o edifício através das janelas quebradas pelo tiroteio, ferimentos em 5 deles, um dos quais, José Manuel Casinhas Henriques Simões, de 18 anos, aluno do 1.º ano de Medicina, ficou em estado gravíssimo, continuando internado no Hospital de Santa Maria.
A REPRESSÃO NO 1.º DE MAIO
Mas as referidas «prisões preventivas» não terão surtido todo o necessário efeito de dissuasão, a avaliar pela concentração policial, com os mais modernos meios de repressão, que se verificou, em especial, na «baixa» de Lisboa e no Porto. Cidadãos inermes e indefesos, simples passantes, nacionais ou estrangeiros, homens ou mulheres, foram vítimas de agressões arbitrárias e incontroladas por parte dos polícias, quer fardados quer paisanos.
A REPRESSÃO COMO FONTE DE RECEITAS
A CNSPP deseja, por outro lado, acentuar o carácter da repressão por via administrativa, agora posto em prática, de acordo com o Decreto n.º 450/72, de Novembro de 1972: segundo a mencionada nota de 1 de Maio, da DGS, no Porto e em Coimbra foram identificados 344 estudantes que intervieram em manifestações estudantis. Tais actividades passaram a ser punidas com multa aplicada imediatamente peio agente da autoridade que do facto tome conhecimento.
Sabe-se que só no Porto o montante das multas assim aplicadas ultrapassa 500 contos, aguardando-se agora o julgamento dos «infractores» em tribunal, dado que muito poucos foram os casos de pagamento voluntário de tais multas.
NECESSIDADE DE UMA AMPLA INFORMAÇÃO
Por último, a CNSPP nota a preocupação do Governo em manter o maior silêncio sobre a repressão política, através da censura aos meios de informação, que impede que a opinião pública se aperceba da inquietante amplitude, quantitativa e qualitativa, que a actual vaga repressiva atingiu entre nós.
Por isso esta Comissão Nacional julga da maior importância não só que lhe sejam fornecidos todos os elementos referentes a pessoas presas ou desaparecidas, mas ainda a divulgação, por todos os meios possíveis, das informações disponíveis acerca da situação, certa como está de que o exacto conhecimento da dimensão de tão grave problema é condição fundamental para a movimentação da opinião pública no sentido de se lhe pôr cobro.
COMUNICADO À IMPRENSA (18/7/73)
Os estudantes angolanos Gilberto Saraiva de Carvalho, Jaime Gaspar Cohen e Bernardo Lopes Teixeira foram presos em Luanda durante o ano de 1970 e logo
enviados para o Campo de Concentração do Tarrafal, nas ilhas de Cabo Verde, juntamente com outros 13 presos políticos daquela cidade, sem que para tal tivesse havido qualquer julgamento.
Como a medida administrativa de internamento, ao abrigo da qual foram deportados, não implica pena de prisão, mas sim fixação de residência, a sua situação como presos durante todo o tempo decorrido tem sido ilegal. Por este motivo os advogados de Lisboa Francisco Salgado Zenha, Fernando Abranches Ferrão, Manuel João da Palma Carlos e Levy Baptista interpuseram em relação aos três citados a providência do «habeas corpus», a que o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Junho p. p., se viu obrigado a dar provimento, ordenando a sua imediata libertação.
Decorridas três semanas após esta decisão, não conseguem, porém, os familiares dos presos ter quaisquer indicações do seu paradeiro, não consentindo as autoridades prisionais nenhum contacto com os presos, e recusando-se as entidades a quem têm recorrido, inclusivamente os Serviços de Justiça do Ministério do Ultramar, a fornecer quaisquer informações acerca do seu paradeiro.
Perante esta decisão de clamoroso desrespeito, tanto das leis vigentes como das decisões do Supremo Tribunal de Justiça, considera a Comissão Nacional de
Socorro aos Presos Políticos seu dever informar a opinião pública.
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